30.4.13

É mais do que suficiente. Para que chores daqui a poucas horas, com raiva e arrependimento. A porta da varanda aberta, as cadeiras fora do sítio, o meu itunes em louco aleatório. As palavras, em português, vão ecoar na tua cabeça: um pesadelo que nunca imaginaste. E eu ali, já estendido na estrada vou fingir que morri. E talvez consiga tão bem ouvir a sirene: um pesadelo que nunca imaginei. É mais do que suficiente para substituir os cigarros que deixei de fumar, meu amor. 

 


20.4.13

Contra mim um ramo de oliveira. Contra mim três quartos no parlamento. Contra mim os restos do almoço. E os pobres a baterem-me à porta. E os novos a empunharem cravos. Contra mim a ponte sobre o Tejo e os barcos compenetrados. E os manueis descompensados. Contra mim os fogos e os apagados.

23.2.13

Para me teres triste, para me seres triste. Tens que entristecer, e depois triste, entristecer ainda. Encontrar  uma tristeza só tua muito parecida com a minha. Muito parecida. Bem triste. Depois, já mais triste, só uma coisa te restará. Para me teres triste, e assim te teres comigo, só faltará qualquer coisa que não sabes, que eu não sei. E depois, sim, realmente triste, não vais entender porque não podes. E esse pequena tristeza será igual à minha e, na melhor das hipóteses, manter-te-á vivo.
Passei de fotografia em fotografia num clique nervoso de séculos de corpos perfeitos e peitos em chamas. Encontrei num intervalo todas as razões para voltar à poesia. Não voltei. Todos os homens da cidade estão à janela, em roupa interior, a imaginar coisas que não se vão passar. Os cigarros fumam-se todos de enfiada. Como um beijo de namorados.

21.2.13

Eu rasgo a armadura com uns dentes de leão. Depois durmo, durmo, durmo. E como me apetece. Como te horroriza o peso da minha cabeça sob a almofada. Eu faço pão, eu faço sala, eu faço favor. E depois durmo, durmo, durmo. Até levito e olho para o chão.

14.2.13

As mãos dele sobre as velas e depois sobre a cara. Um tremor constante de morte eminente. As velas a acenderem-se com vontade de se apagarem. As mãos a tremerem com vontade de aceitar um destino qualquer. E depois tu, ali como eu a olhar, começaste numa tensão infantil. Os teus ombros a juntarem-se como quando tinhas cinco anos. A tua mãe mesmo ao lado impenetrável. As lágrimas correram-te pela cara e tu finalmente sem vergonha. Choraste tão tarde que eu quase me tinha esquecido dessa possibilidade. Não foi contudo essa a imagem que guardei, a tua comoção. Foram as mãos trémulas e as velas, umas sete, a disputarem todas as partículas de oxigénio.


10.2.13

A história mais longa de sempre. E o perfume da tua t-shirt. Uma garrafa de água a rolar pelo chão. O cão abandonado à porta de casa. Todos os santos num saco do lixo. Vou contar-te a história que não vai acabar. Vou tirar-te o sono e deixar a vela apagar-se. E lembrar, ah lembrar, como fomos jovens e ricos. O mais difícil vai ser escolher os livros que queremos guardar. E ainda mais difícil será prometer-te que volto. Talvez fique a olhar para o Tejo. Talvez fique a andar de metro, talvez fique a subir escadas em casas do séculos XVIII, talvez fique a chorar no cais das colunas. Tenho que beijar a minha irmã, a revolução que deixei em lume brando.
A história mais longa de sempre. E o som do saxofone do vizinho. Uma serigrafia sem valor comercial. O chapéu de robin dos bosques, uma caixa de preservativos, cadeiras de praia que nunca usámos.
Anda lá ver-me voar na airfrance. Anda lá ver-me sair daqui para sempre até que não.

6.12.12



Não comas as bagas, não bebas a água, não mexas  nas pedras, não olhes os pássaros, não cheires as flores, não mordas os troncos, não rasgues a pele da mão num ponta afiada.

O punhal que trouxeste não te cabe no bolso. Senta-te e espera. Ele há-de sair lentamente por vontade própria.
Ensaia algumas notas agudas. Ensaia com precisão as três notas que te acompanharão para sempre. Quando o teu fôlego se esgotar, e com ele o suor do teu rosto, espera mais um pouco. Ainda te restarão alguns segundos de vida.

14.11.12

I
A floresta tem, como a praia tem e o planalto tem e a lua tem, uma luz obscena.
A floresta tem mais verde que vermelho, mais castanho que preto, mais amarelo que laranja.
A floresta guarda relíquias e transforma-as e de novo. Como uma fábrica que não quer vender nada.
Os sons que ouvires na floresta nunca te serão dirigidos. Nunca será para ti a floresta.
Os gritos que ouvires na floresta perder-se-ão dentro da tua cabeça. E de dentro dela se soltarão.

A floresta alimenta-se de ti.

A floresta passeia-se em ti.


II
Tu sabes que este lugar é uma casa imensa. E que os quartos e as salas se multiplicam e que todos os cantos se abrem. Tu sabes que tua cama de casal, que a folhas amaciaram com o tempo, vai desfazer-se um dia. Tu não abras a porta que ainda entra uma raposa. Tu não abras a porta que ainda entra um veado.

III
Passas o carvão na cara. E acreditas que podes encontrar ouro. O ouro não te serve de nada. Já não se fazem anéis.



1.11.12

Eu vou a Niterói enterrar os meus amantes. Vou lavar-lhes os corpos na baía e envolvê-los nas folhas de palmeira perdidas no jardim. Vou perfumá-los com goiaba. Vou arrancar-lhes as roupas com uma faca afiada. Vou empurrá-los para a garagem. Vou levá-los na van. Vou empilhá-lhos com a ajuda dos macacos. Eu vou a Ipanema matar os meus amantes.
Eu já me esqueci do início desta avenida. De tão longa, de tão quente. Os meus pés só me doem porque me lembro de ti. Não é do caminho. É uma dor como no peito. Não lhe vejo o fim, não lhe vejo o propósito. Se tu puderes encontra-te comigo na igreja onde mataram as crianças a noite passada. Vamos fazer uma promessa e esquecer que levámos anos a aqui chegar.

26.9.12

Eu não fui aquele homem que foi rapaz de barba e mãos finas. Eu não fui aquele homem sensível, tão masculino, tão feminino. Não toquei guitarra, nem cantei com o cigarro no canto da boca. Não cruzei a perna com ironia, não passei os olhos pela sala. Eu fui outra coisa mais difícil de se ser.


24.9.12

Eu não podia casar-me já e atirar as flores e esquecer-me da falta que me fizeste. Eu não podia casar-me já e esquecer-me que morri nos teus braços a quilómetros de distância. O meu enterro não podia transformar-se numa cerimónia linda e pura. E só o meu enterro duraria para sempre. O matrimónio não atravessa o tempo porque não se nos cola à pele.
Naquele verão, naquele inverno, neste verão, neste inverno não houve flores.
Todos os noivos que vi estavam invariavelmente mais felizes que nós, mesmo sem flores.
Eu não podia casar-me já sozinho, sozinho.
Eu atravessei o tempo contigo colado à minha pele. Solteiro.

21.8.12

Todas as jóias vieram parar às tuas mãos. Como pequenos pecados, como pequenas confirmações do sangue que do sangue passar se tornou mais azul. De tanta educação. As tuas mãos cheias vieram contra a minha cara, encontrar um estalo que nunca cicatrizou. Para mim já chegava olhar-te. Mas assim foi mais pesado, foi um olhar demorado e brilhante. Entre as raridades de outras famílias, encontrei as jóias dos nossos filhos.

13.8.12

Quando perceberes, naquele instante execrável, que vou morrer, olha-me nos olhos cansados. Deixa-te ficar como paisagem. O mar dos teus olhos há-de me encher de anos de vida.  E este medo há-de desaparecer.
Quando perceberes que é o meu fim a chegar devolve-me a expressão melancólica que, em ti, sempre me excita de tão improvável. E esse plano apertado da tua cara - imagino se os teus lábios rosa se transformarão com os anos - será só meu. E nunca mais meu.

8.8.12

Se te esqueceres de tudo e assim conseguires esqueceres-te mais. Encorajo-te. Encorajo-te, meu amor. a partires a partir do fim. E se assim, se assim for mais fácil para ti, não encontro razão para não. Me esqueceres de tudo e para sempre. Só assim, se assim for. Manhunt, manhunt, diz-me se há alguém mais triste do que.

1.7.12

Sim, os anos passsaram. E os teus olhos ficaram virados na direcção errada. Para a frente é aqui. Mas aqui não se desdobra noutros lugares. Aqui é a saída do labirinto que não te entretém. Os teus pulmões ainda têm o ar que guardaste com responsabilidade. E tu, tão ecológico, não soubeste desesperar.
Respira fundo e diz superficialidades, por favor. É agora.
Vão-te esquecer, vais-te esquecer das conversas que te mudaram a vida e tu não reparaste. Repara agora.

21.6.12

Lembrar-te até à exaustão é o meu plano para hoje. Resgatar com precisão médica os detalhes da tua má educação. E as tuas coxas em constante tensão. E a tua boca cor de rosa a dizer coisas irrepetíveis.Até adormecer não haverá mais nada minha cabeça do que a tua cabeça a lutar contra a minha falta de nexo.E quando for claro para mim, quando estiveres quase aqui, quando já formos os dois a dormir lado a lado há-de ser dia. E o café platónico saberá a carne e o pão plátónico saberá aos cigarros que entretanto fumei.



19.5.12

Eu vi o teu fantasma sair de casa e correr para o jardim. Da janela do segundo andar percebe-se bem o desenho do teu fantasma pelo espaço. E as pausas para chorar.
Acordei com o odor do nevoeiro.
Eu vi uma coisa branca pelo jardim. Aos saltinhos. A olhar para trás num tempo irregular como se estivesse a fugir de alguém e depois a parar chorar numa tensão vertical nada fantasmagórica.
A minha camisa de dormir ficou presa na janela quando a abri.
Eu vi-te nu aproximares-te do teu fantasma. E por todo o tempo em que percorreste o jardim de costas para a casa imaginei que estivesses melancólico. Um passeio às seis da manhã não é assim tão invulgar.
Quando te viraste num erecção de séculos, percebi.
E o meu fantasma amparou-me a queda.

14.5.12

Tu não ficaste a olhar para mim. Não me pediste permissão. Atiraste-te para a frente, oh meu deus. Tu não ficaste a deixar-me ajudar-te. E, pois, eu não fiz nada. Nem chorei no teu caixão.

16.4.12

Eu procurei, senhor, agradar-lhe com trejeitos de princesa. Mas o meu sorriso foi demasiado pesado, aceito a crítica. E quando me calei, calei-me em demasia, eu sei senhor. Tenho que aprender a calar-me na medida certa. Eu procurei, senhor, agradar-lhe com o meu cheiro. Mas eu percebo que o tenha ofendido com tanta doçura. Um grande fedor. As minhas lições de violino têm corrido surpreendentemente bem. Espero poder presenteá-lo com uma peça barroca em breve. E em relação às pernas e às axilas, peço-lhe alguma compreensão.
Não entendo por que não trouxeste a orquídea para a casa nova. Se trouxeste tudo. Os quadros do Picasso a fingir que Picasso, os sofás dos anos 60 a fingir que anos 60, os meus presentes de aniversário a fingir que aniversário. Não entendo porque não trouxeste a orquídea a fingir que flores, que flores, que flores.

15.4.12

Não me apetecia ficar mais no ocidente. Atravessei a rua. Encantei-me. A, a-a, aaaa, ó, a-a, aaa. Eu podia agarrar em ti e levar-te num avião para Paris, mas estamos tão bem na praia a ver os helicópteros passar. Os mortos ainda mal morreram.

23.3.12

Tu querias ser um rapaz norueguês. Eu queria ser uma menina alemã. Tu querias tocar violino. Eu queria uma vestido preto. Tu querias uma franja loura. Eu queria falar inglês. Tu querias chá. Eu queria uma guerra. Tu querias tudo em cinzento. Eu queria tudo à minha volta. Tu querias passear em Portugal. Eu queria apaixonar-me por ti. Tu querias que a raça. Eu queria que a raça. Tu querias o multiculturalismo. Eu queria outra guerra. Tu querias dentes brancos. Eu queria cuspir para o chão. Tu querias um café. Eu queria atrasar-me. Tu querias antecipar-me. Eu queria ser um rapaz norueguês. Tu querias ser uma menina alemã. E vencer o Festival da Eurovisão.
Eu disse alibaba, alibaba. Mil e uma coisas sábias, tu foste o homem das arábias. Eu disse anda, anda. Que se faz tarde. Que se foda. Amanhã acordo cedo. Eu disse alibaba. Mil e uma coisas sábias, tu foste o homem das arábias.

4.3.12

Eu não encontrei poetas nos sites de pornografia. Procurei, procurei. E continuo sem perceber onde vão os poetas quando não têm calças, nem camisas, nem meias, nem cuecas. Para minha surpresa, também os textos acusaram essa ausência.
Eu não sei nada sobre a guerra que se tem feito. Não conheço os mortos, não entendo as razões dos vivos. E cada vez que vejo o carimbo do seu país no meu passaporte, reconheço a minha ignorância. É porque o amo, senhor? É porque o amo que fecho os olhos às atrocidades que se têm visto a dois passos da sua porta? Eu já não lamento nada, para além do atraso nos aviões que me levam até aí. E somente a música, nessa língua exótica, em que os erres são mais ricos que os erres mais ricos da minha língua, somente a música me comove.
Para minha vergonha. Não me tenho confessado e confesso que não me tem faltado tempo. Não posso, contudo, confessar-me no seu país. Já não há o culto no território, meu senhor. E como isso me deixa triste. Só deus para além da música se manifesta em mim.

28.2.12

Eu espero que não acabe, que nada acabe e que a evolução - se ela exisitu - pare aqui com graça e vigor. E se o nosso beijo se transformar em relíquia de museu, eu não me importo. Só que não acabe. E que se diga sobre ele qualquer coisa de extremamente elevado, mas popular. Que reuna, como as pirâmides, um consenso. Que coisa impressionante. O nosso beijo, que coisa impressionante. Autocarros, máquinas fotográficas. Que disparate.

24.2.12

Vamos ter que conversar sobre a tua melhor amiga. Vamos ter que perceber porque gostas tanto dela. Sobre os teus pais e o teu irmão estou bastante esclarecido. Os passaportes foram uma boa ajuda. Agora, preciso de saber mais sobre essa melhor amiga. Não me digas que te descansa saber que ela está lá, caso eu não esteja. Desculpa a minha honestidade, mas tenho imaginado a tua melhor amiga atirar-se do viaduto, exactamente no mesmo sítio onde me encontraste na terça-feira de carnaval.
Passei a vida a passar a mão com cuidado pelo fecho éclair. Passei a vida a fingir que não se passava nada, que não havia razão para a minha mão solta. Que o meu credo era uma poesia imensa e teimosa como comida entre os dentes. Passei a vida a treinar o meu maxilar no máximo da sua extensão, a treinar a nudez com um golpe de mágico, a treinar esperar-te meio sentado, meio deitado com um cigarro na mão esquerda. E nada demais se passou hoje, se não a nossa conversa monossilábica e alguns smiles de eroticismo duvidoso.

21.2.12

Tu podes guiar o carro com exagerada masculinidade. Eu vou olhar-te as veias tensas e os músculos num esforço suave a segurar o volante. O cotovelo pendurado. E os teus dedos a procurar com precisão e sem medo os botões. Tu podes guiar assim o carro e falar-me com as pestanas a bater a 180km/hora. E o teu blush pode desfazer-se no teu peito como chuva. Podes deixar-me nesta esquina e depois na outra e depois na outra. Tenho saudades das corridas de cavalos, meu amor.
Dezembro ficava bem como nota de rodapé. Nem família, nem dourados, nem neve, nem nada. O meu ano passava melhor, sem o cheiro insuportável dos corpos em decomposição amarrados ao pinheiro. Muito se disse sobre mim, que não estive lá. O meu ano passava melhor a escrever Dezembro com d minúsculo, a evitar esse conforto da nossa casa gelada. Muito se disse sobre mim, que não estive lá. Podiam ter-se rido, no entanto, desta ironia de não ter faltado hoje à festa de carnaval.

27.12.11

Os cães ladram ainda mais alto,
as ondas chegam ainda mais longe,
os mortos enterram-se ainda mais fundo,
as fotografias duram uma eternidade.

26.12.11

Ouve a minha música. Estremece.
Deixa que o sismo nos separe.
Eu deste lado, tu desse. A trautear.
Deixa que um cisma, deixa que um cisne.
Eu ateu, tu entretido.
E a minha música sem parar.
Nós sabemos que se tu fores nessa direcção
e insistires nessa mesma direcção
e a certo ponto, quando já cansado,
não souberes se vais na direcção correcta,
seguires a caminhar,
nós sabemos que te vais sentar
e que vais chorar.
E será só isso por muitos anos de vida.

18.12.11

Deixa-me sair de casa e entrar no teatro. Sabes que todos os passos me custam. E os óculos de sol já não me ajudam como antes. Deixa-me levar os cigarros comigo para ocupar aos mãos. Eu sei que tudo vai ser mais fácil na plateia ou no palco. Eu conheço as regras. Deixa-me ficar lá por lá. Não quero dormir mais contigo. Pelo menos, se for de verdade.

17.12.11

Eu queria poder cantar uma ópera agora. Enquanto percorres os teus emails com cliques histéricos. Talvez uma nota muito aguda, muito aguda libertasse, romanticamente, a melancolia de que evitei falar-te enquanto esperávamos pela conta ao jantar.

24.10.11

Tu mal disseste. Mal me olhaste. Eu acendi o cigarro uma vez e outra e outra. E nem o barulho das minhas botas nas folhas secas, nem a minha gargalhada eficaz. Quando toda a gente saiu do país e ficámos só nós a poucos metros um do outro tu viraste a cabeça a fingir que procuravas alguém. Eu ainda ensaiei uma frase para te dizer, mas o meu corpo que já estava em modo de pressão nuclear explodiu. E todas as cartas que trocámos (versões impressas dos nossos emails), todos as fotografias, todas as minhas economias de meses, todas as músicas que me deste a conhecer saíram da minha cabeça, epicentro do desespero. A uma velocidade que te teria matado, não estivesses tu já de joelhos nesse momento a chorar o fim.

25.8.11

Em poucas horas verei o que me resta do mundo. O Japão e o Congo já vi em cartões postais. Em poucas horas fica tudo resolvido. Acabo com a guerra que nos tem atormentado. Se sobreviver ao massacre, em poucas horas.

21.8.11

Eu não fiz a universidade. Nem ela me fez a mim. Só no médio oriente conheci educação superior. E pouco a pouco, uma vaidade, uma vaidade nova cresceu dentro de mim. A minha auto-estima foi petrificando e o meu ego apoiou o queixo na mão direita a olhar o infinito. Resta saber como vou arrastar a escultura até ao aeroporto (e quando esta ideia me atravessa o espírito, um escritor americano senta-se na minha mesa para discutir o Messias). A educação superior no médio oriente não me faz duvidar da existência de deus.

19.7.11

Ofereci-te um animal. O meu pai, a minha mãe, o meu irmão.Tinha-lhes ensinado a amar-te. Tinha-lhes ensinado os teus horários. Mas eles não se souberam comportar. Rasgaram os sofás, exigiram-te desculpas. Nem te devem ter lambido os pés. Estas fotografias que tenho nas mãos agoniam-me. Os destroços da tua cara beliscada demasiadas vezes, o teu cabelo louro queimado, a tua melhor mão - a esquerda - pendurada por dois tendões. Tudo isto me choca como te deve ter chocado a ti no instante em que eles te cercaram antes do ataque. Se te sossega, quero saibas que os abati e que finalmente vivo sozinho.

11.7.11

Não consegues dizer essas palavras sem que seja no escuro. Não consegues - porque facas -que sejamos testemunhas. Não consegues porque estás cego.

3.7.11

henry lee

Nós somos de ideias fixas. Agarramo-nos pelos cabelos até sangrar. Estalamos os ossos sem piedade. Abrimos as garrafas com os dentes. Fumamos mais do que três cigarros de seguida. Esmurramos-nos com beijos.

29.6.11

Continuo a não perceber duas camas de hotel separadas.
Não há razão para ficares aí na tua casa.
Continuo a beijar-te a 4003 km de distância.

25.6.11

escândalo

Talvez já nem me lembre de como os olhos se transformam em boca e a boca em pescoço. Tenho uma ideia vaga. Mas sinto o teu perfume asiático. E consigo ver-te despir as calças em dois movimentos rápidos. E o teu corpo nu a explodir.

12.6.11

Não tem memória de nada. Lembra-se que estava muito quente, muito húmido e lembra-se do cheiro a menta barata. O resto aconteceu com todas as pequenas actividades do pensamento empenhadas noutra coisa que não aquele corpo. Agora sente-se ainda mais virgem.

8.6.11

Não vás buscar a espingarda para calar os passarinhos. É de madrugada e as nossas pernas musculadas ainda deviam estar entrelaçadas.

7.6.11

Assim se partiu tudo como se houvesse um machado louco nas nossas palavras. Não se viram destroços, nem relíquias quebradas ao meio. Não se viu nada. E nem houve nevoeiro ou poeira a descortinar a desgraça com poesia. Foi só assim um silêncio, uma escuridão a eclipsar-nos.
O desenho das tuas palavras a traduzir o teu corpo solteiro no meu ecrã. O meu corpo solteiro a amparar-se na queda. A sentir os cuidados das mães e dos pais, dos irmãos, dos melhores amigos e de outros homens que não conheço.
E só ao fim de algumas horas vieram as lágrimas atrasadíssimas como se os olhos não tivessem sido avisados da babárie. Só depois do sexo se chorou o sexo. E pela madrugada, anúnicos de vendas.
Assim se partiu tudo com pena, com honra, com alguma dignidade.
Assim se chegou àquela noite. Não, não foi um fim. Ambos sabemos que não foi nada disso. Ainda podemos celebrar as manhãs que passaremos a acordar-nos com suavidade.
Mas assim como se passaram as coisas parece que se partiu tudo.

1.6.11

Não me entretanhas com o fim. Nós já nos beijámos em toda a parte e em toda a parte já nos escusámos também. E prometemo-nos luxo e senso comum. E saudades. Não sei se te espere sentado ou junto à porta com uma faca de cozinha. Só te quero assustar. Não me entretanhas com o fim porque já não durmo há meses e preciso de descansar.

play a sound to me

Eu sei que não me ouves aqui num buraco, numa rua, num caos na Europa. Mas queria tanto dar-te uma novidade e não a tenho. Consigo ver-te daqui dormir num ritmo de sono profundo de solteiro. Sem medo, sem justiça. Irresistível. Então eu deixo cair a estante de livros, tu abres os olhos com o estrondo e o teu corpo a acordar num susto sossega-me. Estás vivo e és mesmo tu e sou mesmo eu. Já nem há nada entre nós: milhões de pessoas e montanhas e lagos e aviões a voar em simultâneo. Desculpo-me, não te queria ter-te acordado, mas tu sabes que eu não gosto de dormir deste lado da cama.

27.5.11

Os dois homens passaram e olharam alternadamente para mim. As suas mãos tocaram-se por segundos e depois a mão de um bateu na nádega do outro por acaso. Vi-os depois em câmara lenta tropeçar neles próprios e desfazerem-se em risos.

24.5.11

Dos dardos e dos laços
que mastiguei
só se dirá fome.
E mais eco se fará
na medida do corpo
estático catedral.

eh eh (nothing else i can say)

Não chegámos a ir à Provence. E estávamos tão perto. Dei mais voltas naquela casa a matar tempo que eu sei lá. E hoje já não há casa, pelo menos para nós. Emigrámos. Hoje até já perdemos as fotografias com os assaltos sucessivos com que tu fizeste questão de colaborar . Hoje se não for eu a escrever poemas e a editar filmes, se não for eu a ligar-te, nem te lembras. Hoje entendo a minha mãe e só tenho 29 anos. Porque no fim, não restou nada. E eu nem sequer fui à Provence.

you and i

Só preciso que me pegues na mão com cuidado e que me confies o anel que era da tua mãe. Eu vou apertar a minha cruz no peito com a mão que restar e depois largar e depois levá-la à boca surpresa. E só depois preparamos um beijo curto. Só preciso que me esperes no aeroporto com uma vontade de meses e que me leves a mão às coxas. Eu vou tirar os meus phones e com a mão que restar bater-te na cara com ironia a dizer és mauzinho. E só depois preparamos uma estadia muito longa.

electric chapel

Eu vejo os fantasmas a passar aqui em casa. Mas não tenho medo. Não me aterrorizo, não grito, não mordo os lábios, não esfrego os olhos, não me olho ao espelho, não me escondo. Vejo-os passar, experimento palavras em línguas diferentes, eles não repondem. Parecem irremediavelmente ocupados. E com o tempo nada muda. Só uma vontade de vingança que cresce. E eu não sei o que fazer. Se me vingo ou se me deixo assustar.

4.5.11

don't panic

Deixa-me ver o teu corpo estendido na cama daqui de tão longe que eu estou. Temos a Europa e um mar inteiro a empatar-nos. Baixa as armas. Eu só te quero olhar.

1.5.11

A distância daqui ao quarto é muito curta. Tão curta que pressinto que vais adormecer. Mas entram-nos pela casa e tiram-te o sono. E apagam-me o cigarro. É como se a polícia nos viesse roubar o último instante de preguiça. Eu já me vejo a levantar e a deitar-me ao teu lado, só para não prestar mais declarações.

25.4.11

judas

Entrego-te os lábios como dois documentos copiados à pressa. Praticamente iguais. E se os beijos nascem no pescoço como um esforço industrial não é por que eu queira.
Traduzo-te o formulário automaticamente e desisto antes do terceiro parágrafo. Levo as mãos aos olhos como se estivesse cansado, mas acabei de acordar. Deixo-me afundar na almofada como uma secretária dos anos setenta. Levo as mãos ao peito e não encontro o meu nome. Tu não percebes ou talvez percebas, mas tenho uma malha nos collants e não me posso sequer levantar para ir à casa de banho. Vou ficar na cama até terminar o meu turno e tu - chefe exemplar - vais-me desculpar a preguiça, vais-me pedir mais beijos em cadeia. Nada disto seria importante se não estivéssemos tão perto do final do mês.

23.4.11

suburbs

Eu fumo enquanto tu trabalhas. Cigarro atrás de cigarro. Imagino-te a bandeja em equilíbrio na mão direita e o sorriso assimétrico. Teclo todas as coisas que me vêm à cabeça e levo outro cigarro à boca. Encurto o tempo enquanto tu trabalhas e não te preparo o jantar. Ainda conto receber-te um dia em casa com pompa e circunstância, mas tenho preguiça. Esperar por ti enquanto trabalhas dá-me tanta preguiça que quando tu chegas só te sei esperar. As minhas pernas balançam, a mesa treme, a orquídea ressente-se. O cortinado queimado por outro cigarro involuntário quase não se mexe. Espero que nunca repares no buraco do cortinado. De qualquer modo, hás-de estar ocupado com o teu trabalho e eu com a minha dignidade. Já sei controlar a ansiedade dos últimos minutos antes da hora certa. Deixo-me estar como aquelas pessoas que sabem mesmo deixar-se estar e fico mais calmo. E quando tu chegas vês-me quase morto. Só eu sei que se passaram tantas coisas enquanto tu trabalhavas.

28.1.11

only girl

Vê-se uma floresta. E raios de sol a passar entre as folhas das árvores. E vê-se uma cena de morte programada. Um crime bem pensado no meio da floresta. Depois os gigantes chegam e o plano é suspenso.

15.5.10

As palavras contigo são armas e são flores. Estão cheias, a transbordar, como baldes de água. Como nuvens que eu não consigo agarrar. As palavras contigo são dois polícias à minha espera preparados para me agarrar as pernas. Tenho fobia das palavras. Contigo elas têm um cheiro de desconfiança e de perfeição. Podem ser tudo o que tu quiseres. As minhas são vagas. Não vão a lado nenhum. Às vezes saio de casa a correr e só me apetece gritar. As palavras ficam em casa e eu sei que posso ir calado pela noite. Quando nos reencontramos é tudo mais doce e as palavras estão lá para tornar tudo mais doce, como um cubo de açúcar. Mais que isto só o meu cansaço pode falar por mim.

17.4.10

crying light

Eu regressei a casa nervoso. De te encontrar em posições para apagar da memória. De te encontrar estendido com um cigarro por fumar. De te encontrar na cama a ler um livro. Eu fiz o tempo estender-se e estender-se até abrir a porta. E foi assim que vi os sapatos as calças o isqueiro os óculos a camisa até à massa do teu corpo meio enrolado meio estendido. E os teus olhos a dizerem-me hipóteses matemáticas.

10.4.10

primitive

O teu ecrã sujou-me as calças e o peito. E um cheiro difícil de esquecer. A tua imagem. Colado ao ecrã. Eu durmo. Enquanto o libertas não sei o quê. A bandeira do teu país, as canções nacionalistas, as notícias. O teu país suja-me as calças e o peito. Prazer e morte. Pouco prazer. Demasiado rápida a morte do teu admómen e da tua mão direita. Eu não estou lá. Na morte do teu pénis. Só sinto o cheiro da tua nação nas minhas calças de ganga e no meio peito liso.

17.2.10

infinity

Pousei o relógio na mesa. O cinto, as calças, as botas no chão. Agarrei na tua cabeça até sentires a densidade da madeira da cama e o teu sangue provar o nosso amor. Poucos instantes depois, tombado o candeeiro pouco sofisticado e esquecidas as boas maneiras, prometi que não te magoaria nunca. Fiz-te rezar comigo. Cuidei da tua testa. O quarto pareceu cada vez mais pequeno, o que acelerou o meu ataque de pânico.
Quando me virei para ti, refeito do medo, já estavas na internet a pedir ajuda. Que eu quase te matei, que estás sozinho, que mal me conheces. E nesse instante lembrei-me do teu perfil, da fotografia do teu rabo, das palavras que trocámos, da minha morada e do número de telefone. Tudo verdade. Não te consegui mentir.

2.2.10

speechless

Não queres falar mais. Queres guardar a voz dentro de ti, como o coração. E escrever, eventualmente. Assumes que desistes. Só desistes de usar as palavras com a garganta e ar e tempo. Não tens uma língua para falar. Não tens pátria. Não tens espaço nem palco. Falta-te o texto para dizer. Como te falta uma viagem de metro. Por isso vais calar-te. Uma decisão pouca sensata. Talvez possas cantar e cantar tudo o que puderes cantar. Nada mais. Ninguém te exige mais. Não queres falar mais nem dançar mais. Só pensar e talvez nem isso e talvez nem isso. Queres evitar o vómito. De tantas palavras que tens ouvido e tentado procurar para conseguires sobreviver.

26.1.10

Quando

O rapaz precisa de uma confirmação. Pode ser uma palavra. Pode ser uma pausa. Nada para além do fim da rua. O rapaz precisa de ser filho único. O rapaz precisa de esquecer a internet. E com ela o mundo. O rapaz precisa de falar com sotaque brasileiro e outras línguas eventualmente. O rapaz precisa de abraçar o rapaz precisa de abraçar o rapaz. Para disparar com mais calma. E mão ferida dentro do bolso.

18.11.09

paris is burning

New York i love you but you're bringing me down.

13.11.09

nature boy

Vi o rapaz dar de comer aos leões com as duas mãos, direita e esquerda, em concha. E os braços a entrarem pelo boca dos leões até aos ombros. Quando o rapaz saiu de dentro dos leões deixou-se cair para trás. Não parecia cansado, nem feliz, nem um rapaz. Vi a cabeça tombar para a frente e para trás contra a parede e depois o corpo todo no chão. Nesse momento uma luz, talvez a virgem, iluminou o rapaz e os leões. E começaram a sair crianças da boca dos leões, como passageiros a sair de uma avião em queda. Vi o rapazinho levantar-se e recomeçar a dar de comer aos leões. Mas a crianças não paravam de sair. E o rapazinho tentava dar de comer aos leões. O resto nós vimos. E ninguém quer saber de um rapazinho morto de vergonha.

11.11.09

conta outra

Eu posso agarrar nas tuas palavras pelo pescoço, encostá-las à parede com tiques de. Afinal não.

1.11.09

ramalama (bang bang)

Eu tentei agarrar na arma e partir. No meu país as armas lêem-se. Como me lês neste instante. Não há mais do que isso. Quero ir ao teu país ver disparem-se as armas.

21.10.09

circus

Disseste que não entendias uma data. Um detalhe na cronologia. Foram dois segundos para se instalar a decepção. Como se uma dúvida, uma data, um momento da história traísse os nossos olhos. Já não queremos amanhã como antes.

4.10.09

alfonsina y el mar

Não me fales em espanhol. Não suporto. E pára com as mãos. Continua a haver um espaço entre nós. Não me chames Zara, não me chames Sara.

28.9.09

inverno

Transformaste-te lentamente no teu pai. Foi com o passar das estações. Não foi com a chuva. Mas assim que começaram a cair as primeiras folhas, transformaste-te lentamente no teu pai. E tu cada vez mais sagitário. Foi uma coisa muito estranha que se passou.

cantada

Numa nota que eu não consegui identificar. Chamaste-me com um ó. Não segurávamos copos e os perfumes já não cheiravam. Foi só o teu ó.

19.9.09

non dis non

Disseste-me tu não és um imperador, não penses nisso. Eu levantei-me olhei para o mapa, depois para a terra. E quando olhei para ti vi que não falavas de nós, nem de conquistas. Não usavas metáforas. Mas eu nunca fui um imperador. E a ideia pareceu-me a cada minuto mais clara.

9.9.09

clocks

Tu deixas-me uma palavra no ecrã. Sem barulho, sem música, sem alarme. Um veredicto para eu me entreter toda a tarde.

8.9.09

the reader

Sim, eu aceito que sejas crente. Sim, eu aceito que me queiras oferecer um anel e um copo de vinho. Sim, eu aceito deitar-me na cama sem te ver sem roupa. Sim, eu aceito decorar algumas frases. Sim, eu aceito não saber ler nem escrever. Nem escrever.

7.9.09

lamento della ninfa

Ele não desmancha o silêncio. Não canta não ruge. Nem se lança sobre o meu pescoço. Ámen.

j'ai tué ma mère

E depois esqueci-me do meu país. E enrolei a minha língua materna.

14.6.09

the simple story

Eu conheci-o, amei-o, matei-o, matei-me. E filmei tudo.

11.6.09

sacrifice

Um casaco com pêlo. Uma bicicleta. Ramos e folhas secas. Um animal. Fumo. E uma imagem do seu sexo.

1.6.09

les chansons d'amour

Deixa-me esquecer a última vez que vi um filme. E que achei que era eu a personagem principal.

água e mel

Eu fiquei a admirar-te da porta. Numa pose de filme. E tu num registo mais natural disseste vou-me casar.

25.5.09

escândalo

Tu faz-me as perguntas. Tu faz-me as perguntas e espalha as respostas.

24.5.09

ne me quitte pas

Nem eu, nem o telhado, nem o cão. Não vamos aguentar muito mais tempo. Escolhe-nos já.

18.5.09

india song

Só te percebi quando pus os óculos e tu, a três dimensões, falaste finalmente para mim. Como uma revelação. O futuro ali a mover-se na minha direcção. Em cores que excitam os mortos. E néons.

13.5.09

kalemba

Tu dás-me um abraço e eu vejo-te a triplicar. Molhas-me a cara com vodka e desmaias. Grito-te duas palavras. Ris-te. E voltas a fingir que desmaias. Empurram-nos para a frente. Gritas uma palavra. Queres desmaiar para sempre. E eu. Eu fecho os olhos para aguentares o meu peso morto.

11.5.09

my mistakes were made for you

No teu lugar pus uma mesa de centro. E agora já quase que não me lembro onde é que antes pousava o comando.

mio bien

Ele vai acordar em alto mar, em alto mar. E vai olhar à volta, e vai olhar à volta. Não se vai parecer, nada vai restar. E vai-se afundar, vai-se afundar.

7.5.09

une année sans lumière

Encontrei a tua sombra encostada à cómoda. Como se tivesse tentado abri-la. Levei-lhe um copo de água, mas a tua sombra não quis beber. Baixei os estores, puxei a cortina. Pus um cd para a animar. E por enquanto estamos assim. Ligo-te se houver novidades.

5.5.09

cry me a river

Muda, muda, muda. Killing me softly. Já.

4.5.09

contre toi

Eu era o teu maior fã. O teu maior fã. Lia os teus livros, via os teus desfiles, dançava a tua música, seguia-te pela televisão. Eu era o teu maior fã. Agitava cartazes, mandava flores, despia-me. Às vezes faltava ao trabalho. Eu colava posters e criava blogues. E mesmo assim deixei-te na mala do carro.

2.5.09

oblivion soave

Eu sou o último homem. Eu sou o último cão. Fazes-me pena.

Chama-se

Chama-se a sétima maravilha. Nem uma oitava acima, nem uma oitava abaixo.

un autre homme

Os meus amigos têm piedade de mim como de um cão. Brincam comigo e olham-me com carinho. Esquecem-se do meu aniversário. Perguntam-me se me sinto melhor. Os meus amigos não me põem em primeiro lugar, nem em segundo. Oferecem-me cigarros e cuidados intensivos. Não se atrevem a perguntar-me sobre a minha infância. Os meus amigos emprestam-me dinheiro mesmo quando eu não preciso. E brincam comigo e olham-me com carinho.

27.4.09

mes copains

Ouves os tiros da caça enjoada. Levas a chávena à boca enjoada. Sentas-te a olhar o lago enjoada. Enjoa-te não entender esta língua. E não perceber a cor dos móveis, nem conhecer as pessoas dos retratos.

26.4.09

Chama-se

Chama-se política da casa. É o preço a pagar.

europa

Sorriso à prova de gelo. Casaco de peles. Violino. Chá, chocolate, café. Azul claro, amarelo claro. Joelhos flectidos. Mantas vermelhas. Lagos. Receitas de bolos. Mel. Morrer aos quarenta anos. Janelas. Copos de pé alto. Chão de madeira. Ossos frágeis. Plantas pela casa. Dentes brancos. Eu, europeu.

25.4.09

muda de vida

Já me desfiz do colchão. Já me desfiz. Lamento muito.

back to black

E depois abraçou a serpente com o braço direito. Na outra, um copo cheio. Muitos risos, muitos espamos. A saia sempre a subir. Os olhos a caírem para o chão de vergonha. No dia seguinte, tinha uma renda a tapar-lhe a boca e uma vela no meio das mãos.

23.4.09

you make me like charity

Foi assim uma espécie da paixão à primeira vista. É tão bom, é tão bom. Ouvem-se musiquinhas. É tão bom. E depois anda-se de carro mais depressa. Foi mesmo uma paixão à primeira vista. Daquelas em que esquecemos a hora de ir para casa. E que temos uma família. É que ainda estamos vivas. Ainda estamos vivas. É tão triste.

22.4.09

a postcard to nina

O noivo acabou por cheirar o ramo de margaridas. E no escuro experimentou a liga. E no escuro experimentou suster a respiração. Uma encenação pouco credível. Passou a mão pela grinalda, passou a mão pela cama. Lamentou-se. E começou uma carta. Com cidade, data e hora. Como deve ser.

21.4.09

over and over

O noivo sentiu um tremor no olho esquerdo. E uma dor aguda na cabeça. O cérebro em fogo de artifício. E uma falta de ar. O noivo apertou o fato, apertou as mãos, apertou a mãe. No momento em que devia dizer as palavras que tinha ensaiado, o noivo preferiu deitar-se no chão. E dali já se ouviam saltos altos a entrar ou a sair. Ou a correr. O noivo não percebeu bem.

20.4.09

anos dourados

Ela não sabe se há-de cantar, se há-de casar-se, se há-de enterrar-se. E o que foi isso dos anos dourados.

Chama-se

Chama-se má educação. É como atropelar várias vezes a mesma pessoa.

19.4.09

Chama-se

Chama-se convite. Sim.

18.4.09

bird's lament

Percebi que baixas os olhos quando preferes ouvir. E então eu esforço-me por cantar. Esforço-me por te contar. Mas tu não fazes perguntas. E a minha voz faz-me virgem.

16.4.09

you should be

Afinal não se condizem os cortinados e as almofadas. Afinal a cama já não pode ser de madeira verdadeira. E os tapetes ficam para depois. Afinal não se limpam as manchas da parede. E o sangue por toda a parte. Deixamos o leão dormir na sala?

14.4.09

little more blue

Ele conhece seis pessoas. Dessas seis pessoas há uma que está a morrer. Duas estão de férias. Outra vive no estrangeiro há alguns anos. Das duas que sobram uma não atende o telemóvel e a outra não tem telemóvel. Por onde andará essa que não tem telemóvel?

porque me olhas assim

Tocou-lhe no ombro, sentiu um osso frágil e levantou os olhos. Já não tenho medo do teu esqueleto.

10.4.09

that's not my name

As crianças passearam pela sala em poses de deuses gregos. Ouviram-se rugidos de quarenta graus de febre. As crianças cantaram umas para as outras.

6.4.09

Chama-se

Chama-se perfil. É dar a outra face.

5.4.09

the fear

Sabe que não está mais ninguém. E não consegue adormecer. Sabe que pode fazer tudo, não está mais ninguém. O tecto do quarto são flashes e ecos. E os pés a enterrarem-se no chão que não existe na cama. E não consegue adormecer. Só flashes e ecos. E a cabeça a rodar entre as mãos. Só fracos e ecos. Sabe que não está mais ninguém, mas não consegue adormecer.

4.4.09

him

Ela não precisa dela, não precisa dela, não precisa dela. Ela só precisa de se convencer.

2.4.09

pur ti miro

Ele não faz ideia. Não tem ideia. Não se lembra. Não penso. Ele não se alimenta de música clássica. Si, si, si, si, si.

a casa

Primeiro arrastas-me até ao centro. Depois puxas-me gaveta a gaveta. Lixas. Pintas. Sopras-me. Um abraço para me pôr em cima do tapete. E uma jarra de flores que não te dei.

31.3.09

not fair

Podias adormecer de vestido em cima da cama. E deixar as rendas caírem-te da boca como saliva. E os olhos revirarem-se como pérolas. Mas não vamos ficar aqui muito tempo. Temos lantejoulas a saltarem-nos dos poros, meio vivas, meio mortas. Não vamos ficar aqui muito tempo. Só o tempo de engolir os teus saltos altos e os meus botões de punho.

28.3.09

she

E depois ela levantou os braços a preparar um beijo. Ele deixou-se estar imóvel com a faca na mão. Ou te corto a boca ou me enterras no quarto.

21.3.09

breaking the waves

Guardaram as toalhas, os tapetes, os candeeiros de pé. E os quadros. E com eles pedaços de paredes agarrados ao bordado da camisa. Guardaram como um segredo. Como se guarda. Vigilantes. Guardaram os armários, os mosaicos, as torneiras. E as portas e as escadas do prédio. Sob o olhar atento. Vigilantes.

19.3.09

canção de lisboa

Tomaram-me de assalto a casa. E deixaram-me o mp3 em pausa.

17.3.09

live

Havia uma estante ao fundo, cadeiras, uma porta para a rua. Papéis espalhados, livros e o teu braço em movimentos repetitivos: música. Seis minutos precisos. O queixo a encostar-se ao ombro e as paredes a vibrarem com aplausos. E depois o suor a humedecer o carpete.

11.3.09

l'amant

Sangraram-te palavras da boca. Eu não te quero ver apodrecer noutra língua.

10.3.09

lorelei

E quando devolver pela primeira vez a saliva vai pensar duas vezes se.

3.3.09

fairytale

E depois ele soprou uma voz, com risos a perfurarem-nos as cabeças. Muitos risos e uma voz muito doce. E mel a escorrer-lhe pela camisa. Nós não podíamos ser mais felizes. Não podíamos ser mais nem maiores.

2.3.09

intervention

Não te cansas de a ouvir dizer palavras de ordem. Mas não entendes inglês.

21.2.09

ma jeunesse

Largou-a em cima da mesa junto à porta e saiu. Vai deixar as camas desfeitas. Vai deixá-la desfeita. Quer trocar de lugar, trocar de bilhete, trocar de roupa. Vai desfazer-se dentro de um comboio.

11.2.09

for no one

Não se sente a falta dos pais, dos avós, dos irmãos. Não se sente a falta do amor. Não se sente a falta de casa, do carro, da cama. Não se sente a falta de leões a atravessarem a sala em direcção a nós, nem de serpentes junto à porta da entrada.

10.2.09

meeting place

E depois ele olhou e tirou os óculos de sol e depois ele despiu as calças e depois ele beijou um extintor e depois ele deixou-se ficar a olhar para amanhã.

6.2.09

mariazinha

E depois aterrava nos braços engessados do seu amor.

5.2.09

let it die

Sempre que fechas os olhos vês nítida a imagem do teu pai a adormecer sobre as pedras. E depois sem muito esforço consegues ouvir-lhe os ossos a estalarem como palmas no teatro.

4.2.09

in a manner of speaking

E depois ele disse lembra-te que eu não vejo e que mal oiço e que todas as coisas que escrevo aparecem numa língua que eu não entendo.

1.2.09

to america

Ele disse que a timidez passou no dia em que as tropas chegaram. Porque desapareceu tudo. E se não há nada para guardar, não há razão para. Ele disse que viu as tropas comerem o colchão e os tacos. Ou alguma coisa parecida com isso.

31.1.09

Chama-se

Chama-se abreviar. E dá vontade de não fazer outra coisa.

25.1.09

innocence

As crianças procuraram-no entre os leões. Chamaram-no pelo nome. E pelo nome de família. Não o encontraram. Arrumaram as caixas de plástico nas mochilas e as garrafas de água vazias. Chegaram a casa uma hora depois do previsto.

sin city

E depois ele atirava o corpo contra o sofá e ria-se. A cabeça batia na parede, o braço batia nela, o pé batia na mesa. E o riso espalhava-se como um fumo. A arma deixou-se estar. Pousada na mesa até a bola de espelhos parar.

18.1.09

má educação

E depois ele entornava um copo e os cotovelos falhavam a mesa. E nas legendas liam-se obscenidades. Ele olhava para o fundo da sala, para o chão, para o ventilador. E enquanto a mão esquerda procurava qualquer coisa junto à garganta, a direita arrancava a toalha da mesa como um cumprimento.

17.1.09

holiday

Detém-se o riso e ficas à espera dos restos. Atento. Não sobra nada do meu riso.

14.1.09

blindness

Tu pensas por mim. A única coisa que eu faço é tocar nos móveis por instinto.

11.1.09

ne touche pas

Os animais vão instalar-se lentamente na sala. Sobre o tapete, nas cadeiras, numa mesa baixa. Rugidos suaves a fazer estalar a talha dourada. Primeiro os leões, depois os leopardos, as onças e os linces. Olhos lentos a seguir os movimentos do copos e do gelo. As garras e os dentes a perderem-se no fumo. E um brinde.

10.1.09

last goodbye

Quando te depositei no jardim tive a sensação de que não estavas morto. Só te faltava o ar. Talvez da surpresa do meu abraço.

8.1.09

to be lonely

Obrigado. Muito obrigado. Já não me levavam a casa há muitos anos. Devo esperar que regressem?

6.1.09

Chama-se

Chama-se sair ileso. É ver as coisas pelo lado positivo.

my body is a cage

Ele perguntou-lhe o que é que me fizeste? o que é que me fizeste? Ela mostrou-lhe o isqueiro e despiu-lhe o casaco em chamas.

4.1.09

one day

Ele não vai voltar a escrever enquanto os leões não atravessarem o caderno e os abutres não levarem os restos da gazela.

men

E depois vieram os homens aos gritos como verdadeiros homens. Aos murros às paredes e aos carros. Quando lhe cuspiram sentiu qualquer coisa como culpa. E os homens foram embora aos gritos como verdadeiros homens.

3.1.09

birthday

Como te esqueceste do meu aniversário vou esquecer-me do teu. E como não estiveste aqui vou tentar não estar aí. Na verdade não estávamos juntos quando nascemos.

31.12.08

open heart zoo

O homem percebeu que o leão não ia obedecer. O leão levantou uma pata e seguiu o homem com os olhos. Avançou e recuou na medida em que o homem recuou e avançou. As crianças gritaram. O homem levantou o chicote. As crianças foram adormecendo. O homem acabou por desistir de um dos braços.

30.12.08

aleluia

Não te vamos prometer nada. Talvez acordes amanhã.

29.12.08

down the line

Havia uma cama, paredes, grades, um jardim e muros. E eu só me lembro com rigor do teu cabelo loiro.

heartbeats

E eu disse-te que não te deixo aí para sempre. Que te trago. Mas que primeiro. Vais ter que acordar ou dormir muito, não sei bem. Vais ter que entender que primeiro. Vais ter que entender. A tua casa não fica muito longe.

slow

E olhaste para a janela. Não através da janela. Para a janela mesmo. Começaste a falar do mecanismo. De como abre, de como fecha. Rapidamente começaste falar de mim e dos teus pais. E de como não vais sair daí tão depressa. Não começaste mais nada. Os lençóis brancos, a bandeja cheia, os estores sujos. Alguém a entrar no quarto e a deixar qualquer coisa. Viraste a cabeça para mim e já me encontraste noutra posição. Um passáro bateu as asas no parapeito da janela e olhámos os dois. Pensei em levar-te cds hoje. Mas talvez não queiras saber porque estás aí.

28.12.08

baby suicida

E disse-lhe aproveita que os meus dois pulsos ainda estão lisos.

26.12.08

sozinho

Desliga a mtv. Vais ficar aqui sozinho. Não vou soltar o cabelo, nem escolher anéis, nem trocar de roupa. Vou fechar as janelas e trancar a porta. E sair. Não cantes, nem dances. Não me prometas. Vais ficar aqui sozinho.

25.12.08

house of cards

Vai ser vê-lo deitado com olhos de sismo e o chão a desaparecer com ironia. Vai ser fazer um laço e desfazê-lo até à perfeição. Vai ser insistir em levar as mãos à cara. Vai ser uma palavra a colapsar no meio de uma frase. E minutos de pessoas a deixarem-se ficar pela rua.

22.12.08

Chama-se

Chama-se marginal. Quando não se é um.

womenizer

Viu-a puxar as meias e baixar a saia na rua dos prédios novos. Recompor os ganchos, limpar o pó. Esconder o pescoço meio comido e o dicionário de inglês desfeito em dois. Viu-a deixar a mão prender-se nas grades. Viu-a olhar os andaimes e o lixo. E nada mais. O nevoeiro em que ela desapareceu foi inventado, assim como as flores que nunca prendeu no cabelo ou a música que não cantava quando a viram pela última vez.

verdes anos

Tira-me as palavras da boca e o peso dos ombros. Tira-me o calor das mãos e o futuro dos olhos.

17.12.08

Chama-se

Chama-se independência. À possibilidade de ficar por aqui.

14.12.08

entre aspas

His son is his prize, he tell a few lies
He's got his father's eyes, it's in his father's eyes
And he thinks in his mind that he's just getting by
But he's a compromise, he's just a compromising fool

I've been, I've been silent.


Fools, The Dodos

13.12.08

no more

Não se responde com uma pedra que se arranca do chão nem com dois bocados de papel nem com o corpo atirado pela força de uma massa

7.12.08

Chama-se

Chama-se juventude. É como um jornal diário.

equinox

Não vais deixar que as paredes caiam sobre si mesmas como um acidente provocado. não vais deixar que a noite caia sobre si mesma e que sobre ti. vamos ficar quietos e ouvir os passos. vamos ficar quietos a deixar que a luz dos carros se apague. Respira aqui para dentro.

6.12.08

sad song

Vai levantar a mão em vez do punho em vez de apunhalar: uma música. Vai acreditar que é uma maneira de ter paz.

4.12.08

familiar feelings

Tens os olhos do teu pai. Tens os olhos da tua mãe. Tens os olhos do teu irmão. Tens os olhos do teu primo. Tens os olhos da tua tia. Tens mesmo os olhos do teu avô. Agora dorme.

are you ready for the blackout?

Não te viu não reparou que estavas no palco nem para quem cantavas nem para quem sorrias. Não se percebe bem porquê mas não deu pela tua presença. Talvez tenhas que cantar mais alto despir peças de roupa dizer o seu nome. Ou o silêncio talvez o silêncio resulte. Ou uma morte prematura. Ou um blackout.

1.12.08

Chama-se

Chama-se guião. Serve para acusar as pessoas dos seus erros.

30.11.08

virgens suicidas

Se ao menos pudesse morrer com o dia e não sentir culpa por entardecer tão rapidamente

29.11.08

rehab

Há-de conseguir arrancar pequenos diamantes dos ossos e com cuidados cirúrgicos oferecer-lhe uma jóia.

music

E em vez de amanhã ele dizia agora é agora. Depois voltava-se e ria-se. Depois largava o olhar nas mãos e só se ouviam. E uma orquestra escorria como saliva.

Chama-se

Chama-se tédio. É como se o relógio tivesse facas em vez de ponteiros.

26.11.08

like a virgin

vá anda lá despir a t-shirt as árvores e os preconceitos, disse ela.

where is my mind

vá anda lá queimar carros a cabeça e tempo, disse ele.

22.11.08

é pr'amanhã

Vai ser ontem que se vai sentar que vai esperar que vai ser hoje. vai ser ontem que vai sorrir que se vai lembrar que vai ser hoje. vai ser ontem que vai de directa que é uma insónia que é uma maneira de ser hoje.

21.11.08

Chama-se

Chama-se selva. É um lugar que só existe dentro da cabeça.

ouvi dizer

há-de encontrar as palavras certas e com elas aliviar-lhe a queda. não vão haver feridos nem mortos nem notícias. vai ouvir-se um sorriso pelo altifalante sinal de ordem restaurada. há-de encontrar as palavras certas e distribui-las pelas pessoas. não vão haver ricos nem pobres nem religiosos. vai ouvir-se uma rádio local. e mais nada

20.11.08

coeurs

Vamos ler a história antes de nos movermos. o que dizemos o que nos dizemos o que fazemos o que nos fazemos. vamos seguir o guião com rigor vamos reparar nos detalhes como erguemos a cabeça como erguemos o machado como erguemos as paredes da casa. não vamos saber o que dizem as legendas porque não entendemos a língua. vai ser preciso confiar no nexo. vamos ler a história em voz alta antes do instante crucial da imobilidade porque a partir daí

19.11.08

Chama-se

Chama-se mania da perseguição. É uma forma de andar para trás.

17.11.08

a pianista

Nada disso vai passar. vai ter guitarras eléctricas presas no externo. vai ter heróis a resistir nos ombros e muralhas a erguerem-se espontaneamente como flores quando já não houver o que defender. vai ter armaduras nos dedos como jóias. e na garganta cordas a vibrar em silêncio.

chamar a música

Finge, esquece. Vais repetir. Finge, esquece. Vais repetir. Finge, esquece. Vais repetir. Finge, esquece. Vais repetir. Finge, esquece. Vais repetir. Finge, esquece. Vais repetir. Finge, esquece. Vais repetir. Finge, esquece. Vais repetir. Finge, esquece. Vais repetir. Finge, esquece.

16.11.08

os idiotas

Agora vamos deitar-nos no chão e ficar a ouvir as paredes a caírem lentamente. vamos ficar imóveis a ver o céu aparecer e a rua e as pessoas e o frio a cortar-nos as caras. vamos respirar debaixo dos escombros e prometer

Chama-se

Chama-se privilégio. É uma questão de escalas.

15.11.08

Chama-se

Chama-se compatibilidade. E pode chamar-se ironia.

14.11.08

future plans

Vamos atirar pedras. levantar o chão. vamos descalçar-nos e atirar palavras. os textos que não preparámos. vamos esconder as caras e ouvir as explosões de juventude que não preparámos. vamos abraçar-nos como muros como cordas e desfazer-nos com risos. vamos disparar vamos rebentar vamos rasgar vamos perdoar não vamos perdoar não vamos perdoar

13.11.08

crash

Não havia outra maneira de matar os quatro minutos de música não havia outra maneira de fazer um mau playback ou cantar por cima da vocalista não havia outra maneira de rebentar as colunas os braços e as pernas e mergulhar no silêncio a que os desastres obrigam?

12.11.08

fanny & alexander

Vão seguir todos os passos com cuidado e segurar as folhas como um mapa não se vão encontrar não se vão tocar nem se vão supor ali e vão seguir todos os passos um do outro com cuidado e segurar as folhas como um mapa dentro de um labirinto dentro de um labirinto dentro de um labirinto

10.11.08

paranoid park

Agora é só deixar o dia levá-lo é só deixar a noite levá-lo é só deixar a música levá-lo é só deixar o corpo levá-lo é só deixar alguém levá-lo é só deixar o medo levá-lo é só deixar a pena levá-lo é só deixar a intuição levá-lo é só deixar o irmão levá-lo é só deixar o carro levá-lo é só deixar

Chama-se

Chama-se alívio. E é uma boa segunda hipótese.

9.11.08

Chama-se

Chama-se véspera. É uma forma de começar mais cedo.

Chama-se

Chama-se novidade. É como se houvesse terminações nervosas por toda a cidade.

8.11.08

army of me

Vai pousar a cabeça sobre a arma e fazer disparar palavras em ecos vai repousar e quando estalar a guerra o seu corpo vai ser a primeira perda só depois se perderá a memória e numa pedra os seus dois nomes

Chama-se

Chama-se cair em si. E não está associado à perda de equilíbrio.

ganhar a vida

Há-de erguer o machado e com ele desistir do silêncio e com ele desistir da palavra e com ela desistir do corpo e com ele desistir da intuição e com ela desistir de si

7.11.08

Chama-se

Chama-se ripostar. É uma forma de lidar com o medo.

the time is now

Vai contar minutos vai ficar à espera tanto tempo que as pessoas vão parecer actores e os seus olhos uma câmara vai contar minutos e depois segundos vai inquietar-se com a ideia de que não existe imobilidade então se não existe porque demora tanto o tempo a passar vai contar minutos e pessoas e actores e os seus olhos uma câmara

6.11.08

apocalypse now

Vai estabelecer-se um diálogo como na guerra surdo mesmo surdo vão ouvir-se palavras tentativas de palavras e desistências de palavras não se vai encontrar paz nem vitória e vão rebentar frases e escorrer sílabas pelas suas bocas que vão desaparecer no fumo e desfazerem-se no fim mesmo que não se escreva uma derrota

Chama-se

Chama-se comemoração. É uma mistura entre memória e coração.

5.11.08

Chama-se

Chama-se tacto. É quando se usa a cabeça.

4.11.08

saraband

Vamos pegar em duas ou três palavras e começar uma conversa vamos mudando de língua e introduzindo silêncios ele vai ouvir ele vai ouvir ele vai falar os olhares vão caindo para a mesa como nódoas os cotovelos vão matá-los e vão ser precisos novos olhares vamos prolongar a conversa com movimentos os códigos que já conhecemos e vai tudo parecer mais fácil vamos ouvir e vamos falar e vamos olhar

31.10.08

fala com ela

Não se vai esquecer de escrever todos os pormenores dessa experiência sobrenatural se foi frio se foi calor não se vai esquecer com certeza das cores que lhe vão passar pelos olhos nem dos sons se os houver dizem que se ouvem coros que é uma espécie de fim que não se vai esquecer

30.10.08

Chama-se

Chama-se hesitar. É dividir uma decisão em frames.

exit music

Há-de adormecer sem esforço sem ser preciso forçar os olhos nem apagar as luzes há-de adormecer calmamente talvez oiça uma música ou invente uma melodia para ter qualquer coisa a que se agarrar uma criação de última hora há-de adormecer no momento em que chegarem como tropas pequenas porções de memória

28.10.08

Chama-se

Chama-se história. Tem princípio, meio e fim. E princípio.

27.10.08

sol de inverno

Chove ininterruptamente desde Janeiro. As coisas molhadas às vezes parecem coisas secas porque não chove sempre com a mesma intensidade. Há alguma coisa a querer sair do chão, mas não se percebe bem o quê. Pequenas explosões na calçada aliviam-lhes as nucas, os pescoços e os escombros. Há impermeáveis a escorrer pela avenida sem pessoas dentro. Alguns carros levam impermeáveis presos nas rodas. As pessoas desistem de os usar. Talvez não aguentem tanto mau tempo. É muito tempo e muita chuva. Chove desde Janeiro.

dirty dancing

Atenção. Pense como coloca as mãos. Meça a distância entre um pé e outro. E o ângulo do cotovelo dobrado, claro. Não se esqueça de escolher a mão mais forte para segurar o copo. Pode passar alguém de repente. Garanta que tem um ou dois movimentos preparados para o silêncio. Os olhos são muito importantes. Não são para mais nada, são para deslizar.

25.10.08

j'aimerais partager le printemps avec quelqu'un

Ele vai pegar na câmara com cuidado. Como se nunca tivesse visto um filme suspenso entre os dedos. A ponte, o rio, as casas: um homem. Quando já for tarde, vai sorrir. Importa-se que o filme? Os planos mais apertados. A cara, o cabelo, os olhos. E os planos mais apertados. Não tinha planeado isto. Não se importa mesmo que o filme?

23.10.08

Chama-se

Chama-se surpresa. E é só uma questão de não ser a primeira.

entre aspas

"And then I'll take you home
Where we live and where we roam
On the bed and on the phone
Don't stop, cause every place you've known
Is a robot zone"


IS A ROBOT, dEUS

cinema paraíso

Ele vai conseguir o último bilhete. O último. Uma fila enorme e ele vai conseguir o último bilhete. Tem que jogar no Euromilhões é o que vai ouvir na bilheteira. Vai sentir-se escolhido. Uma bola de luz no chão. Escadas, cadeiras, quarta fila. Uma modelo vai hesitar entre sentar-se ao pé dele ou. Vai preferir outro lugar. Tem que jogar no Euromilhões parece deixa de um filme francês. Jovem, fresco, misterioso. A modelo não lhe vai parecer bonita: uma sombra. A luz mais baixa. A perna cruzada sobre o vazio do corredor. Foi o último bilhete e ele vai ficar milionário.

Chama-se

Chama-se entretenimento. Ao que se faz entre uma perda e outra.

21.10.08

Chama-se

Chama-se paciência. E não tem ciência nenhuma.

a carta

Ele vai escolher um lugar sem pressa. Olhar à volta. Desconfiado. Um ou dois movimentos mecânicos. E vai ficar desiludido com a falta de naturalidade. Sempre a mesma coisa. Ninguém cruza e descruza as pernas em tão pouco tempo. A agenda em cima da mesa. Novembro cheio de desenhos feitos quando Novembro ainda estava longe. Não precisa de Novembro. Vai lamentar a falta de tempo para estar com os amigos. E rir-se sem se aperceber. Vai pensar em escrever uma carta. Mas para quem. Mas para quem. Máquina, câmara, blog, mp3. E a carta vai continuar a parecer uma boa ideia.

20.10.08

destruir depois de ler

Cartas regulares para quatro mulheres. Dos 12 aos 17. Intervalos, desistências, reestruturações do discurso. Nunca a palavra "rua". Ou estrada ou quinta ou noutra língua. Entretanto, os bilhetes. Os curtos e os longos. Muitas muitas páginas. Bricolage até aos 15. Perfume nunca. Folhas coloridas nunca. Selos ao acaso. Postais intactos, nunca vistos.
Muito fogo.

17.10.08

Chama-se

Chama-se expectativa. E é bom que valha a pena.

16.10.08

Chama-se

Chama-se dormência. Uma leve sensação de que tudo é pesado.

15.10.08

telepatia

Não foi preciso muito para perceber que não havia razões para instalar o programa. Aritmética simples. Arritmia certa.

Sic Notícias, 15.17

"No futuro, os robôs serão decisivos no combate aos fogos."

Chama-se

Chama-se exílio. É quando uma pessoa põe uns phones e se põe a andar.

Chama-se

Chama-se mudar de vida. À ideia de mudar de vida.

Chama-se

Chama-se perversão. Cada um conta a história à sua maneira.

48

A mão reconhece a geografia da cara. Não encontra a boca. E agarra numa caneta. Ainda te apetece dizer alguma coisa? Não, não. Deixa estar. Deixa estar como? Vamos ficar a olhar. Vamos ficar a olhar. Acho que a caneta não serve para nada. Pois não. Tens câmara?

14.10.08

telepatia

A câmara esta desligada há mais de um mês. Não chegou a funcionar. Dez euros. Pouparam-se muitas desilusões.

13.10.08

roda da sorte

Deram as mãos. Um círculo perfeito.

Chama-se

Chama-se detalhe. A uma coisa que não é invisível.

5

Despistou-se contra todas as expectativas.

12.10.08

lição nº 2

Um robot nas suas mãos pode mudar o mundo.

Chama-se

Chama-se previsão. É quando uma pessoa faz tudo o que pode fazer antes de ver alguma coisa.

11.10.08

Chama-se

Chama-se ver a luz. E isso não significa nada. Pode ser apenas abrir a porta do frigorífico.

liçao nº 1

Um robot nas suas mãos pode fazer muitos estragos.

10.10.08

Olha, robot!

É agora ou nunca. Olha agora ou já só ouves o estrondo.